*Conteúdo autorizado pelo Museu da Pessoa
Adriano Leite da Silva, mais novo de 12 irmãos, conta como foi sua infância de filho de pescador e de artesã de trás da Ilha. Apaixonado por história e pelo folclore de sua cidade Natal, Adriano conta como desde sua tenra infância essas histórias fizeram parte de seu desenvolvimento como ser humano e esse traço ele traz até os dias de hoje, em seu trabalho com crianças e com as escolas de Ilhabela.
Nesse depoimento, há histórias da sua ascendência familiar desde o período colonial, há contos e lendas da cidade, além de descrição de danças e festas populares da Ilha. Devoto de São Benedito, Adriano conta como são as festividades desse santo e como é preparada a concertada, bebida tradicional, servida apenas nessa festa.
Em seu depoimento, Adriano mescla as lendas e histórias de sua cidade, com o seu desenvolvimento pessoal e humano, numa narrativa apaixonada e instigante, oferecendo um mergulho nesse universo não tão conhecido aos turistas e não caiçaras da Ilha.
Adriano Leite da Silva, eu nasci na cidade de Ilhabela. Trinta de janeiro de 1968. A família da minha mãe, na verdade, eles eram todos de Ubatuba, inclusive lá em Ubatuba, tem a Praia dos Tenórios. Por volta de 1730, eles tiveram que vir pra cá assumir a fazenda da Praia da Fome, que era uma fazenda de engorda de negros, todos os escravos que vinham para Ilha, iam diretamente para baia de Castelhanos, né, lá eles eram vendidos.
Em Castelhanos tinham três fazendas super importantes de escravos nessa época, a Fazenda do Vicenzo, a Fazenda do Ribeirão e a Fazenda do Engenho Velho e lá, os escravos eram vendidos, os senhores de engenho da ilha iam até à Praia de Castelhanos, no Ribeirão, comprar e os negros que vinham muito velhos ou doentes eram deportados de canoa a remo para Praia da Fome, porque lá era a fazenda de subsistência, onde eles iam se recuperar pra poder voltar para Castelhanos e serem vendidos.
Então, nessa época, a família da minha mãe veio assumir, né, o meu bisavô, meu tataravô e aí, se formou a família da minha mãe na Praia da Fome. E a família do meu pai, a gente não sabe muito bem, mas são portugueses, né, a família do meu pai e gerou o Saco do Sombrio desde os primórdios, a família do meu pai.
Meu pai era pescador, ele era dono de dois barcos, inclusive, ele tinha um barco que se chamava Nossa Senhora do Rosário, que era super bem conhecido na ilha. Ele pescava, tinha cerco junto com a família dele, com todos os irmãos, porque era uma família grande, a família do meu pai e o meu avô tinha um cerco, onde todos os irmãos trabalhavam, né?.
O cerco, ele chegou aqui na Ilha em 1920 com a migração dos japoneses, porque é de origem japonesa o cerco e ficou sendo uma origem tradicional da Ilha, o cerco, né? Porque a gente usou muito, o cerco foi muito importante na área econômica da ilha, inclusive, a pescaria artesanal, na época. E a minha mãe era do lar, a minha mãe trabalhava na roça.
[O mais novo de 12 filhos] A gente fazia tudo junto, né, a gente brincava junto. Eu era menor, então as minhas irmãs tomavam muito conta de mim, onde elas iam, eu ia muito junto com elas, eu ficava mais junto com as minhas irmãs, na verdade, os meus irmãos era um pouco maiores do que eu, então nessa época, já saiam pro mar pra ajudar o meu pai na pesca e tal e eu ficava, como eu era menor, mais dentro de casa, ia pra roça com a minha mãe e com as minhas irmãs.
A gente brincava muito, a gente ia muito pro mar, a gente andava de canoa, a gente brincava de taco, de bolinha de gude, a gente empinava pipa, a gente colocava as fatias do coco por baixo e descia os morros brincando e ia parar no caminho, né? Era muito divertido, era muito gostoso aquela época, assim, a gente era muito livre, porque o lugar que a gente morava atrás da Ilha não tinha nada, né, não tinha carro, não tinha… Era só a gente mesmo, o mar, o céu e a mata.
Eu fui fazer faculdade, né? Sai um pouco da Ilha, fui conhecer outras situações com um pouco de medo, porque eu sempre vivi aqui, aí eu tive que sair da Ilha. Foi um pouco difícil pra mim, eu sentia muitas saudades daqui, muitas saudades, mas eu sai, estudei, voltei. Quando eu voltei para a Ilha, eu praticamente já fui direto para trás da Ilha, porque eu fui lecionar nas comunidades tradicionais e eu fiquei, praticamente, uns 20 anos lecionando atrás da Ilha.
Eu passei por todas as comunidades tradicionais, eu comecei trabalhando no Bonete e lá no Bonete… Todo esse trabalho que eu fiz atrás da Ilha, também, foi muito lindo, porque eu também adquiri muito conhecimento da história da cidade com essas pessoas mais antigas, que viviam lá. Então, a história do Bonete, que Bonete na verdade é Bonéte, é uma palavra espanhola que significa cone, chapéu de aniversário e esse nome é dado lá no Bonete porque o Bonete foi descoberto por espanhóis, então, o morro do Bonete é um cone, parece um chapéu de aniversário, então imagino eu que quando eles estivessem chegando lá, eles viram e falaram: “Bonete”, viram o morro e aí ficou Bonete.
A gente chama de Bonete hoje, mas o significado é esse e fui pra Serraria, fui para Ilha de Búzios, passei por todas as comunidades tradicionais, dando aula, lecionando para os filhos, netos de pescadores.
Gosto muito de viajar, já viajei para vários lugares, já tive oportunidade de conhecer alguns lugares, até alguns lugares no exterior, mas não me vejo fora da Ilha. Eu acho que a Ilha cresceu muito, mas ela ainda é aquela Ilha nossa, entendeu? Eu acho que a Ilha ainda tem essa energia pitoresca, essa energia acolhedora, essa energia da história, da antiguidade. Eu tenho orgulho de falar que eu sou caiçara e que eu nasci na Ilhabela e que eu sou da Ilhabela e que a minha Ilhabela é linda e vai continuar sendo linda pra sempre.
Ser caiçara é ser gente boa, é andar de pé no chão, é entrar no mar, é pescar, é comer peixe seco, é comer farinha-da-terra, os nossos pratos típicos, né, o pirão de banana verde, é o azul-marinho, é ser feliz, é essa união que a gente sempre teve de caiçara, ser caiçara é ser acolhedor, receber bem as pessoas dentro de casa, é fazer uma boa festa, é tomar uma boa consertada na festa de São Benedito (risos), é ser livre ser caiçara. É isso que eu sinto de ser caiçara.
[O que gosta de fazer] De ir para atrás da Ilha, de ficar lá na minha casa na Praia da Fome, de ascender meu fogo de lenha, de fazer o meu fogo tacuruba no quintal, de ir plantar mandioca, de ir para a roça, de ir para o mar pescar, de entrar na cachoeira, de ficar atrás da Ilha. Uma das coisas que eu mais gosto de fazer é de ir para lá, de assar os meus peixinhos nos moquém, sabe, de defumar, de fazer as coisas caiçaras e de pintar, de fazer os meus artesanatos, de fazer as coisas que eu gosto de fazer dentro da minha casa, de estar lá no meio dos caiçaras, no meio do meu povo.
É uma das coisas que eu mais amo fazer agora. Inclusive, eu penso em me aposentar e ir morar atrás da Ilha, de terminar os meus dias lá. [De artesanato], eu faço trancas de palha de banana, que foi uma história que foi deixada pela minha avó, né, faço réplicas de casinhas de pau a pique, faço algum tipo de cestaria com bambu fininho...
Sou o filho de uma roceira, de uma mulher que trabalhou a vida toda na roça e de um homem que trabalhou a vida toda no mar, então eu sempre guardei essa importância, eu acho lindo isso, né? Tudo muito simples o que eu vivi, mas com muito amor, com muita esperança e com muita devoção!
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