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12/07/16

Entrevista com Ditinha dos Búzios de Ilhabela

*Conteúdo autorizado pelo Museu da Pessoa





Benedita Aparecida Leite Costa, mais conhecida como Ditinha, conta como foi crescer sendo a mais velha de dez irmãos na pequena Ilha de Búzios que pertence à cidade de Ilhabela. Filha de pescador, Ditinha ajudava seu pai nesse ofício, viajava no mar com ele e também fazia as viagens de canoa motorizada para a Ilhabela quando chegava o momento das trocas comerciais: os peixes secos por outros mantimentos, utilitários e peças de tecidos.

Ditinha também aprendeu o artesanato de cestaria com taquaruçu. Ela segue com às duas atividades e ainda divide o seu tempo como o cargo da presidência da Colônia de Pescadores de Ilhabela que auxilia e oferece apoio aos pescadores da região. Ditinha narra como foi estudar numa Ilha distante, e como são seus ofícios, as viagens que fez motivadas pelo encontro de pescadores e também as mudanças que foram ocorrendo, tanto na profissão como na Ilha de Búzios.

Benedita Aparecida Leite Costa, eu nasci na Ilha de Búzios, em sete de julho de 1962. Meu pai pescava, trabalhava com peixe seco, que a pessoa não sabia o que era vender peixe fresco, gelo, naquela época não tinha. Então, ele pescava e secava o peixe no sol para trazer aqui para a cidade para vender. 

E a minha mãe, artesanato, fazia cestaria com taquaruçu, bambu. Cesto para roupa, luminária, fruteira, cestinho de banheiro, muita coisa… A gente aprendeu mil coisas com aquilo ali, sabe, você faz luminárias em vários formatos, fruteira, suporte de prato, porta-guardanapo, muita coisa você faz com aquilo ali, com o bambu, a taquaruçu.

Nós éramos em dez irmãos. Eu sou a mais velha (risos). Na época, era tudo escadinha, né, na verdade. E eu era a mais velha, eu tinha que cuidar do segundo, do terceiro… E pescar também. Eu estudei até a quarta série, né, e tinha que pescar, sair com o meu pai, vir para a cidade para trazer peixe, depois que secava e [eu tinha que] pegar o bambu, já começar a também a aprender a fazer as peças e a cuidar também dos meus irmãos, trabalhava na roça, sabe? Cedo, eu comecei a trabalhar na roça, plantar e, na época, a gente não tinha forno a gás, era lenha e tinha que buscar as lenhas. Como eu era a mais velha, era tudo isso.

A gente tinha uma casa de madeira, na época, que tinha dois cômodos, que era um da minha mãe e do meu pai e um era pra nós, a gente não tinha cama, né? A gente dormia tudo ali, tinha esteira, [a gente] fazia muita esteira de taboa, uma planta. Tinha uma cozinha, não tinha banheiro. Antigamente, ninguém usava banheiro [dentro], tinha um banheiro bem fora, na cobertura, para fora da casa. E a casa era de madeira bem assim, simplesinha, de sapê, ninguém sabia o que era telha, também.

[A gente] Plantava mandioca, tinha que limpar, plantar, depois que nasce a mandioca, capinar, tirar os matos, então tinha época, de manhã, à tarde, você ia fazer isso. De manhã, você ia apanhar lenha no mato e, se tava dando peixe, tinha que secar o peixe, meu pai tinha que abrir todos os peixes, tirar pra pôr no sol e lavar, então eu tinha a parte de lavar e colocar no sol, tinha que fazer isso de manhã e colocar o peixe no sol. À tarde, tirar, né?

Então, todo dia, tinha que fazer isso todo dia até ele ficar seco. No nosso linguajar, é escalar, né, que pessoal fala: “Escalar o peixe”, escalar: você abrir, tirar todas as vísceras de dentro, fazer as linhas para por sal e tem que guardar bem guardado. Depois que você faz isso: abre ele, você limpa, você salga, você tem que guardar e é aquele processo, põe no sol, tira, tal, até ele ficar seco. Isso era uma responsabilidade, que o meu pai saía para o mar e deixava comigo essa responsabilidade para fazer já que eu era a filha mais velha.

Era canoa, canoa de motor, não tinha barco. E a gente trazia os peixes secos para vender lá na Armação, Praia do Pinto, aqui no norte da Ilhabela, tinha um japonês e esse japonês, ele comprava o peixe, ele tinha um mercadinho, tinha a loja, a mulher dele e tinha o rancho onde ele guardava as redes… [A gente] chegava com a canoa de manhã, aí fazia todas as compras, todas as coisas que tinha que fazer, que o único lugar que a gente parava era ali na Praia do Pinto, e aí, dormia ali no rancho, deixava a canoa, pra de manhã cedinho sair e ir embora para lá. 

Então, eu sempre vinha com o meu pai, quando não tinha ninguém pra vir, eu tinha que vir com ele para trazer os peixes, eu trocava mercadoria. De vez em quando, ele vendia roupa, não era nem roupa pronta, era uns tecidos que a gente comprava. Quando eu lembro, tem assim, um gosto… sabe, uma coisa boa.

Duas horas de canoa, a canoa, o motor é fraquinho, eram duas horas. E se o mar tivesse ruim, você tinha que parar em algum lugar, porque às vezes, não dava para atravessar, tinha que parar na Praia da Fome, tinha outra, Ponta Grossa, várias vezes, a gente ficou parado, esperando melhorar para atravessar para Búzios.

Já ficamos no mar cinco, seis dias pescando, garoupa, né, que a gente gosta de sair, Búzios, pescar na Pirabura, aí você tem que ficar, cinco, seis dias, enquanto tem gelo, você tá ali no mar, Ilha da Vitoria. Aí, em Búzios, a gente vai de manhã e volta à tarde, você sai de manhã de casa, sete horas e volta cinco, seis horas da tarde, dependendo se tá bom, fica mais um pouco. Agora, se tá dando peixe à noite, né, que é a anchova, aí você vai sete horas da noite, vem lá de madrugada, no meio da noite…

[Pegar] Peixe, [a gente já] tá acostumado, pega, né, peixe grande assim, cação, já pegamos cação de 90 quilos, numa ninhada que foi difícil, no espinhel pra por pra dentro do barco também, que é difícil. E tempo a gente pegou bastante, na travessia, nossa, muita tempestade, você sai sabendo que vai virar, mas você acha que não vai ser tão rápido, já peguei vento, nossa, do barco já chegar um lado assim, dentro do mar, de todo mundo ficar desesperado.

Acho que, como Ilhabela é uma cidade turística, né, a pesca influi muito, porque tem os comércios, as peixarias, né? A pesca é uma coisa na Ilha que não tem como ficar sem, porque o peixe fresco é tirado daqui, camarão, tudo vem daqui próximo, atrás da Ilha, na frente. Então, acho que a pesca aqui não poderia acabar, ela tinha que continuar porque como é um lugar turístico e tem os restaurantes, as pessoas…

Uma coisa que gosto muito de fazer é o artesanato. A pesca também tô saindo, né, mas pouco. Hoje eu tô saindo muito menos para a pesca, né? Mas de vez em quando, eu saio, mas hoje eu tô mais no artesanato.

[Meu sonho] Hoje, é ficar em casa quieta fazendo o meu artesanato (risos). Eu acho que pra mim, eu já tenho 54 anos, né, e meu sonho é que os meus filhos consigam ter uma vida melhor. Meu sonho é continuar com o meu artesanato até a hora que Deus me der fôlego de vida.

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