*Conteúdo autorizado pelo Museu da Pessoa
De origem pobre e com duas mães, Benedito Augusto dos Santos — o Ditinho — conta como foi crescer e frequentar a escola frente às dificuldades e como fazia para driblá-las e — sempre que podia, aproveitava para jogar bola. Pai de 10 filhos, Ditinho conta como foi acumular funções e trabalhos — os mais diversos — conciliando sempre o cuidar da família e o samba, tanto com o grupo Pronúncia no Olhar como com as escolas de samba da cidade.
Ditinho dá uma palhinha e canta alguns trechos de sambas enredos que contam a história de sua cidade, Ilhabela. Além disso, orgulhoso, Ditinho narra um pouco de suas funções na Secretaria de Cultura de Ilhabela.
Meu nome completo é Benedito Augusto dos Santos, eu nasci em 30 de julho de 1966, na cidade de Ilhabela. Dizem que todo Benedito nasce Ditinho, depois vira Dito e depois, Seu Dito e depois Nhô Dito quando é velhinho. Então, eu sou Ditinho, ainda.
Ditinho é como todo mundo me conhece aqui, na Ilhabela, e nas regiões onde eu passei com os projetos musicais e eu me apresento dessa forma para qualquer pessoa. Na realidade, eu sou filho adotivo, os meus pais são caiçaras: meu pai é pescador e a minha mãe também é caiçara, só que, por fatores da vida, eu cresci com outra família, então quando eu falo minha mãe é a minha mãe adotiva.
Eu sempre gostei de estudar, nunca repeti no colégio, jamais. Era um caderno, um lápis, sempre ponta de lápis, porque eu nunca tinha um lápis inteiro, era sempre doado por alguém, nunca era inteiro. Se fosse de tabuada, só tinha do (seis) para cima, né? (risos) E aí, era o meu caderno dentro de um saco de arroz de cinco quilos, eu ia e aí, no intervalo, jogava bola e comia manga, goiaba, jabuticaba, carambola, tinha tudo com fartura dentro do Colégio Gabriel [Escola Estadual Gabriel Ribeiro dos Santos] que é a história de muita gente que estudou na Ilhabela, né?
E quando eu voltava da escola… Bom, eu ia com o estilingue no pescoço, as pedrinhas mais selecionadas da cachoeira, porque essas pedras eram fatais no estilingue para matar passarinho, né? Ou as bolas de gude que não eram redondas, que vinham com defeito, porque elas não tinham o efeito da gente ganhar jogando bolinha de gude. Eu saía quase 15 para às seis da manhã para estudar às sete em ponto, estudava até meio-dia e eu chegava em casa sete horas da noite, mas naquela época, sete horas da noite parecia dez já, porque era aquele silêncio, menos pessoas, não havia carros. Carro era uma raridade. Carro, talvez, os poucos que tinham, uns, eram da fazenda Engenho D’água.
As cachoeiras eram limpas pra caramba, a gente jamais desconfiava que pudesse ter uma cachoeira poluída. Então, a gente pegava os pitus das cachoeiras, o camarão e levava, separava uns, deixava no saquinho com água para que eles ficassem vivos. Além da peneira que eu tinha emprestado do pedreiro, eu emprestava a canoa aí ia nesse canal, remando, aí tínhamos as linhadas de fundo que era uma chumbada, dois empates, empate é um negocinho de ferro para poder o peixe não cortar, o peixe-porco, por exemplo, ele cortaria a linha, e uns anzóis.
Aí, eu ia [para casa] com os peixes-porco ou outros peixes, passarinho e essa era a rotina. Às vezes, eu fazia laço no mato, então aí, um passarinho maior, né, chegava em casa, a minha mãe pelava esses passarinhos, limpava e a gente comia, porque não tinha geladeira, então salgava… Essa era a minha infância.
Pescar era assim: “Bom, o mar tá muito chamativo”, a gente sentia. O caiçara sente quando aquela situação é propícia para isso ou para aquilo, né? A gente tinha esse faro para caçar e para pescar. A bola era praxe, tinha que jogar bola, né?
A partir de 1984, eu já tava envolvido numa escola que tava nascendo, chamava Unidos do Garrafão, era um bloco carnavalesco de 30 pessoas, no máximo, sei lá e 19 ou 20 eram da bateria, eu era o cara principal da bateria, embora fosse novo, eu comecei a frequentar as rodas de samba nos ensaios deles e desenvolvi o instrumento chamado repinique que era o instrumento que fazia as chamadas, as viradas de bateria.
Enfim, foi ali que começou… Do início do Garrafão até o bar do Santista, esses quatro anos, eu já tinha me tornado um sambista bastante eficaz, assim, sabe? Bastante forte na Ilha. Qual a diferença que eu tinha? Eu tinha uma memória muito boa para gravar música, então, quando os senhores cantavam aquelas músicas de sempre, sempre aquelas mesmas músicas, a vida inteira, eu aprendendo com eles ali.
Com 18 e o cabelo grandão, né, magrelo, aquele bigode parecendo o Agepê na época e aí, eu comecei a pegar o meu espaço e lá no bar da Suzana, eu já tinha o meu primeiro filho, era jovem, tinha mulher. Antes dos 19 anos, eu já tinha três filhos e eu tinha aquela vida de casado.
Já era um sambista respeitado por todos os sambistas de Ilhabela que tinham tradição. A Barraca do Samba já me conhecia, que era um outro núcleo de samba muito forte, talvez, o mais forte. Ali existe um grande baluarte do samba de Ilhabela e a minha fama do Perequê já tinha chegado na vila: “Tem um neguinho aí que toca cavaquinho e canta muito bem”.
A molecada foi crescendo e absorvendo aquele meu jeito de ter disciplina com a música, respeito com a música. Em 2005, eu fundei um bloco, estando lá na [Escola de Samba Unidos de Padre] Anchieta, pessoal: “Funda um bloco” “Mas como funda um bloco?” “Não sei, funda um bloco” “Qual o nome?” “Não sei, Bloco do Ditinho” “Mas meu nome? Eu não gosto de fazer essa apologia a mim”, sabe assim? “Não, mas Bloco do Ditinho, quer um nome melhor?”, falei: “Tá bom, então vai até achar outro nome”.
Esse Bloco do Ditinho deu o que falar. Cinco anos ele durou. Nesse período, eu tava na Anchieta quando ele nasceu, em 2005. Em 2006, eu tava na Anchieta, ele tinha dois anos. Aí, eu fui para o Garrafão e era assim, o que era o meu bloco? Meu bloco era os componentes da escola que eu tava. Então, em 2006, quando eu saí da Anchieta e voltei lá no Garrafão, aí o meu bloco era o povo do Garrafão, né? E aí, eu fiquei nove no Garrafão.
Todos esses anos, meu bloco ganhou o carnaval, sempre ganhava. Ganhava porque a gente tinha uma imaginação, um negócio bacana ao ponto de a gente aprender a fazer aqueles bonecos de Olinda!
Em dois de julho de 2009, eu fundei a primeira diretoria do Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Acadêmicos Leões do ITA, que é a minha comunidade, Itaquanduba, Itaguaçu, dois bairros e Leões porque é o meu signo. Tem que ter um mascote, alguma coisa forte e a gente escolheu o leão, todo mundo gostou do leão.
[No primeiro ano] nós saímos com uma vontade, que o desfile dura uma hora, a gente desfilou em 35 minutos, mas gigante a escola, samba lindo, a gente fez um samba bem bacana. Já nasceu assim a escola de samba.
E o Pronúncia no Olhar sempre caminhando... O Pronúncia no Olhar, há 19 anos, toca o ano inteiro. Então, o povo do samba nunca fica abandonado, seja da escola A, B, C, D, E, mas eles estão coma gente o tempo todo, a gente tá fazendo o samba de Ilhabela, né, a gente colhe esse respeito o ano inteiro e nós somos sambistas de verdade, então a gente sabe fazer o carnaval, a gente sabe dar o swing.
O Pronúncia no Olhar é um produto feito, são irmãos juntos, não são dois, são quatro, pode vir até neto, que já é grande, tocar e tem eu, o pai, né? Então se entrar na mídia, é um produto (família), tem história para contar!
Cantar ao lado dos meus filhos é fantástico, olhar para um lado, ver dois filhos, para o outro, mais dois filhos, é fantástico. Olhar a qualidade de cada um é fantástico e saber que muitos aí da Ilhabela me chamam de pai do samba é muito legal, fico um pouquinho envaidecido assim, e aí, a história continua, né, a história continua, se Deus quiser!
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