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14/07/16

Entrevista com Marco Rafael de Souza de Ilhabela

*Conteúdo autorizado pelo Museu da Pessoa





Marco Antônio Rafael de Souza conta como era a casa e a vizinhança do outro lado da Ilha, em Castelhanos. De lá, mudou-se com a família para o lado de dentro, onde cresceu e estudou. Marco conta como era fazer seus próprios brinquedos — e o dos amigos também.

Das miniaturas, passou a ajudar o pai no trabalho de carpintaria náutica com os barcos grandes, de verdade. De ajudante, passou a comandar sozinho às reformas até o desafio de construir um primeiro barco do zero. Marco conta como foi vê-lo navegar! Com a responsabilidade aprendida pelo pai, deseja deixar esse mesmo legado aos seus filhos — bem como também deseja passar adiante a tradição cultural da carpintaria náutica.

Marco Antônio Rafael de Souza; nasci aqui na Ilha em 23 de março de 1965. Meus pais são daqui mesmo, atrás da Ilha, de Castelhanos, né, eram de lá. Eu nasci lá também. Meus pais trabalhavam na roça, pescavam e cuidavam da vida, da família, normalmente.

[Minha casa] Era bem simples, era de pau a pique, o chão era batido, terra, era coberta com sapê, bem simples. [Lá, a] cada 100 metros tinha uma casa, né? Cada um tinha assim, alguma coisa em torno, plantações, criação, né? Como a gente tinha que ir à roça, a gente tinha que pegar cedo, ir para a roça, tinha que pescar, tudo para poder se manter, entendeu? Tinha que pescar, ia capinar mandioca, capinar feijão, desde criança, entendeu? A pesca era a melhor parte, na verdade, porque era mais divertida, a pesca de rede, de cerco, né, pescava em cima da costeira, era a melhor parte.

Ah! Brincar [era] mesmo assim: jogava pião, brincava de barco no riozinho que tinha lá, é isso. A gente mesmo que fazia. Você tem que ter a madeira, com uma faca, alguma coisa, vai esculpindo e faz. Os meus pais, os meus tios sempre faziam [trabalhavam com madeira] e a gente ficava olhando e aprendendo. Antigamente, lá onde a gente morava, em Castelhanos, eles faziam muito remo, canoas, faziam reformas, então, a gente ficava vendo. E aprendeu através disso, né?

Minha casa acho que era a uns 100 metros da praia, então a gente tava todos os dias na praia, mesmo se não fosse trabalhando, estava lá passeando… Sei lá, alguma coisa estava fazendo na praia. Os meus pais venderam lá porque eles queriam que a gente melhorasse de vida, um pouco, né? E aí, venderam e a gente veio pra cá. Meu pai comprou aqui essa área e tá aqui até hoje.

Meu pai já fazia carpintaria, então aqui tinha mais serviço para ele. Ele continuou trabalhando de carpinteiro. Ele fazia de tudo um pouco, fazia barcos, canoas, fazia telhados. Com um pouco mais de idade, comecei a trabalhar para ajudar. É isso, mas sempre na mesma arte, pescando, ajudando o meu pai na carpintaria, entendeu? Com o meu pai, eu ajudava ele, fazia tudo que ele pedia para eu ajudar, eu ajudava, né? Então, telhado, os barcos, né, o que eu me lembro é isso.

A carpintaria, é uma atividade que você sempre tá aprendendo. Acho que fazer barcos, assim, foi difícil no começo, mas a gente tá aprendendo cada vez mais. O mais difícil foi o primeiro serviço, o primeiro barco que eu peguei pra reformar, que o meu pai falou assim: “Vai reformar esse barco”, aí eu fui, foi o mais difícil, porque eu saí de ajudante para seguir a profissão, sozinho, então foi mais difícil. Como era reforma, tinha que trocar a madeira do barco e é super difícil. Então aí, no começo, sofri. Mas agora é tranquilo.

Com o primeiro barco, assim, a gente fica com aquele medo, né? Vai que não dá certo, né? Mas é legal, você se sente realizado, você fez um serviço que funcionou, um trabalho que funcionou. Funcionou legal, só que é assim, a gente vai aperfeiçoando, né, os próximos ficaram melhores, né? Com certeza. A finalização é a pior parte, os detalhes são a pior parte. Toma tempo, tem que estar… Na verdade, é o que vai aparecer, né?

Eu sou apaixonado por trabalhar com madeira, com barco, né? Eu poderia estar fazendo outra coisa, mas realmente, barco é tudo o que eu gosto de fazer. Trabalhar com madeira… Na verdade, assim, eu não consigo explicar, mas é muito simples, só que você tem que gostar, você tem que ter o dom, um pouco do dom, mas é bem simples, não tem muita dificuldade

[Entregar um barco todo reformado para aquele pescador que estava precisando:] Primeiro que é uma responsabilidade grande, um barco assim, uma reforma vai levar vidas lá, então tem que ser um negócio bem feito, né, mas é muito bom porque o cara que recebe a reforma, ele fica contente, entendeu? A gente sabe que é a ferramenta de trabalho do cara, o cara agradece muito a gente. A gente fica na torcida que dê tudo certo, né?

Ser carpinteiro, eu não sei nem te falar, é uma coisa muito gostosa de fazer, uma coisa legal de fazer e assim, se alguém fosse tentar fazer, tentar fazer com responsabilidade, com carinho, entendeu? Sabendo que é para o mar, tem que saber respeitar o mar. Fazer pensando que vi estar lavando vidas para o mar e tem que respeitar muito o mar.

A gente tenta passar para o pessoal que quer aprender, tipo, meu filho, por exemplo, meus sobrinhos, a maneira que faz, entendeu? E tenta passar que tem que ter essa responsabilidade e realmente, o pessoal aprende porque tá ali todo dia, tem o dom e vai aprendendo.

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